Sonhava em ser bailarina de tule rosa e sapatos de cetim a rodopiar pelos palcos de países do mundo. Sonhava escrever poesias nas páginas dos livros, nos muros das ruas e assinar como Rita, um heterónimo que escolhera e que revejo em todos os poemas e frases dos meus cadernos de contos de outrora. Sonhava em ser professora daquelas que ensinam o verso das histórias, das que escrevem com giz num quadro de lousa pendurado algures num jardim recheado de girassóis, ao olhar sempre atento dos pequenos. Sonhava em ser tudo ao mesmo tempo, simplesmente porque o tempo nessa altura não existia. Mas, num súbito momento de loucura, troquei as pontas de cetim rosa, as páginas de letra trémula e o pau de giz atrevido, pelo estetoscópio. E, sou Médica Pediatra, como o pequeno R. diz no seu jeito de dizer, a que dá remedinho aos meninos pequeninos, desenhando com os dedos quase a tocarem-se, a palavra pequenino.
E, deixo em palavras soltas a Pediatra que eu sou, ou que às vezes não sou, porque não me deixam ser.
Cor-de-rosa. Porque as princesas adoram e balbuciam em segredo "Mamã, é igual a mim". E eu confesso que também adoro. Adoro fardas cor-de-rosa, casacos cor-de-rosa, meias salpicadas de rebuçados cor-de-rosa enfiadas em socas cor-de-rosa morango.
Inquieta ou irrequieta. Com formigueiro nos pés, atrevo-me a dizer que até posso ser enervante, subo e desço escadas, derramo palavras em galope, mexerico.
Desorganizada. Os meus papéis são confusos, embrulhados, trapalhões, dispersam-se e movem-se num labirinto cujo caminho conheço de olhos fechados.
Pontual. Detesto relógios que batem devagarinho, não chegar à hora marcada e pessoas que se atrasam. O meu relógio acelerado corre sem parar, e acho que até precisava de lhe acrescentar mais uns algarismos.
Descontraída. Recuso dar aos príncipes e princesas a terceira pessoa do singular num acto de realeza de consultório, construído, distante e formal. Em momentos de uma insanidade de conto infantil, chamo-lhes crocodilo e peço-lhes que abram a boca para espreitar as senhoras bolinhas lá trás, aperto-lhes a barriga-balão e tento adivinhar qual foi o jantar de hoje e num shu! entusiasmado e teatral, peço silêncio para se ouvir a música do coração.
Sonhadora. Sonho ter música em todos os consultórios, música de anjos, transparente e morna, daquela que embala a alma e quase não se ouve, mas que vibra no ar.
Apaixonada. Derreto-me com os vestidos brancos das princesas pequeninas, com os abraços e beijos molhados e fugazes, com os desenhos rabiscados na sala de espera. Arrepio-me com as histórias de cada corpito frágil e guardo as lágrimas para depois.
E, sou muito mais e também muito, muito menos...
E, sou muito mais e também muito, muito menos...
O telefone toca num choro gritado. Tudo se dilui e num movimento rápido, o caminho é o que a voz do lado de lá do telefone gritou. Num papel sarrabiscam-se os remédios mágicos, os tamanhos, os valores que limitam o traço da vida. Ligam-se as sirenes que apitam desenfreadas e o asfalto aquece as rodas. Borboletas na barriga dançam uma dança agitada. Seis mãos batem no mesmo ritmo, soletram a mesma música e acolhem os pequenos destemidos. Perfusões, bólus, compressões, ventilador, incubadora e as seis mãos agarram as histórias e fazem-nas respirar.
Aos médicos, enfermeiros e TAEs que comigo partilham as histórias de cada pequeno príncipe e princesa...
Aos médicos, enfermeiros e TAEs que comigo partilham as histórias de cada pequeno príncipe e princesa...
Obrigada por haver pessoas como a Sofia, profissional, mas acima de tudo muito humana!!! Linda auto-caracterização que fez!!! beijinhos
ResponderExcluirE suspeita também... Risos!
ExcluirAdorei o post! Um sorriso contagiante. :)))
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