Amamentar. Não sou fundamentalista. Sou a favor da felicidade de cada um, das opiniões, das vontades. Amamentar é um acto de amor tão grande quanto dar dar um biberão com leite adaptado. Mas, quando me perguntam o que fazer, respondo: o que a fizer sentir melhor. É fundamental explicar as vantagens do leite materno: a riqueza em imunoglobulinas e anticorpos, a biodisponibilidade, a quantidade certa de água, o "estar sempre pronto e à temperatura adequada". O acto de amamentar, na sua proximidade com o respirar da mãe, o pele-a-pele, a dança das respirações de ambos, os olhares trocados num amor desmesurado, isso não se explica. Eu amamentei e fá-lo-ei e novo, se puder, mas sem imposições. Mas, não sou fundamentalista, quem não quer amamentar, nem que seja porque simplesmente não quer, tem esse direito.
O fundamentalismo da amamentação incomoda-me e muito. Senti-o na pele, aliás nos apertos descontrolados nas mamas tensas, mas pouco produtivas de colostro, numa enfermaria de obstetrícia. As mãos frias com cheiro a desinfectante, apertavam compulsivamente os mamilos, ansiosas por uma gota de colostro que teimava em não cair. Eu, inerte por não ter o R no berço (mas sim numa incubadora, com milhares de tubos a entrar e a sair), deixava-me molestar angustiada por não saber se me doía mais o coração, as mamas ou a laceração do períneo a que tive direito nesse parto de arena. Senti-o e não o esqueço. Depois disso, pude assistir a essa tortura-práctica-diária durante a minha práctica pediátrica e várias vezes, falei. Vi mães a chorar porque não conseguiam amamentar, porque não sabiam, porque as faziam sentir-se incapazes.
E, ainda me incomoda mais, esse fundamentalismo ser fugaz. Sim, tal e qual, fugaz, temporário e com validade limitada a 4 meses. Pois é, também eu já o senti em palavras escondidas ou olhares reprovadores. Aleitamento materno, muito bom sim senhor, mas quando envolve a redução de horário (direito legal), surgem as questões veladas: a dar de mamar, ainda?, até quando?, e, não vai fazer noites?, não vai ser fácil ajustar o horário. E, estas questões, pertinentes por sinal, surgem de médicos e também de pediatras. De facto, nunca me disseram directamente que não poderia usufruir desse direito a redução de horário, mas as perguntas adicionadas a olhares reprovadores, demonstram a "chatice" que vai dar essa opção de Mãe. Mais curioso ainda, é que esses médicos que me olharam de lado, no consultorio de cadeira de couro, passam atestados às mães dos meninos que lá vão, alegando que estão a amamentar. Passam e bem (eu também o faço), mas só o fazem porque as mães desses meninos não são trabalhadoras do seu serviço...
A OMS defende 6 meses de aleitamento materno exclusivo, mas isso em Portugal é impraticável, a não ser que se alterem regras ou que as mães deixem de trabalhar. Defendo que as mães (as que amamentam e as que não-amamentam, mas alimentam com leite adaptado) possam ter ajustes horários, permeabilidade na sua gestão, sem que sejam sancionadas por isso. Essa mudança terá que ser imposta, porque mesmo os que estão directamente envolvidos na saúde materno-infantil, quando confrontados com o ajuste horário de um trabalhador seu, torcem e bem o nariz...
Deixo em modo plágio o mote: E, se fosse consigo?
Nós, porque sim Fi-lo e fá-lo-ei de novo |
"A OMS defende 6 meses de aleitamento materno exclusivo, mas isso em Portugal é impraticável" - não é impossível Sofia, fiz isso das minhas duas filhas (da primeira 4m de licença e 1 de férias, no 6º conseguia ir ao almoço a casa; da 2ª 5m de licença e o 6º ia ao almoço a casa; quem não consegue assim tem sempre a opção de 5m licença e o 6º de férias). Acho perfeitamente praticável, muitas mulheres é que se sentem presas e escudam-se em "não dá, é impossível estar 6 meses sem ir ao trabalho", não é, e de qualquer modo há sempre coisas que se podem fazer a partir de casa, e a partir de determinada altura os horários são bem previsíveis e existem bombas e biberões (era o que fazia no 6º mês).
ResponderExcluirFico satisfeita por saber que ha quem o consiga praticar, tal como relata que o fez. Pela minha experiencia, acho difícil, mas é uma opinião, que retiro da prática clinica e pessoal. As Mães têm horários complicados, nem sempre regulares, trabalham longe de casa/creche o que as impede de se deslocarem à hora de almoço. São pressionadas. Obviamente que também há quem não o queira fazer e embora ache que não devem ter que se "escudar" (como refere), há de facto quem o faça. Sou a favor da possibilidade de optar e neste momento, volto a referir que, por experiencia pessoal e como pediatra-confidente, a legislação não oferece as condições ideais para fazer cumprir uma recomendação da OMS.
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