Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe
Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Perfil
Perfil de fazer crescer água na boca, bochechas almofadadas, cabelos enroscados e turbulentos, barriga-balão saliente a empurrar o mundo, pele-de-seda. Perfil de quem não quer saber se têm as mãos sujas, as unhas imaculadas, a camisola pintada de aguarela. Perfil com perfume a merenda da escola. Perfil de risada pura. Perfil de menino que caminha num trilho retorcido de sacola às costas, indiferente aos porquês e não se faz. Perfil de um puto que segreda Bom dia ao senhor muito-muito-velho que ninguém vê e que está à saída da escola. Perfil de um R, que sem medo vai pé-ante-pé pelo trilho de giz desenhado no chão da escola...
R. & o trilho |
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Meninos & Mães
Meninos lábios-cor-de-amora, roxo-púrpura, que acenam um sim desesperado e buscam a mão das Mães por entre fios e gritos sonoros das maquinarias. Meninos lábios-cor-de-amora que deixam cair as pálpebras na dança de um tórax retalhado e irrequieto que teima em não parar de respirar. Meninos lábios-cor-de-amora com olhos pretos de medo que teimam em falar. Meninos com histórias que vão e vêm muitas vezes. Meninos filhos de Mães que cortam as lágrimas de lábios cerrados e por entre sussurros segredados soltam um "...mais uma etapa...Tu és forte...". Meninos filhos de Mães com medo rodeados de pessoas estranhas vestidas de anjo que agarram com alma a vida por um fio...
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
O que não adoro
Não adoro sushi desenhado quase arquitectonicamente. Não adoro ser organizada. Não adoro figos que pingam açúcar. Não adoro cor-de-laranja. Não adoro bacalhau com batatas num dia qualquer. Não adoro a Páscoa dos ovos de chocolate que fazem borbulhas. Não adoro neve sem chá quente a fumegar. Não adoro, mas detesto, pessoas que se esquecem dos outros. Detesto ter as pálpebras dormentes e ninguém dar conta. Detesto ser da Terra do Nada, ou antes, ser da Terra do Tudo, mas que façam o Tudo parecer um Nada. Detesto que me vendem os olhos, me ponham a mão na boca e me anestesiem a alma. Detesto não falar o que penso. Detesto não poder fazê-lo. Detesto pessoas-queixinhas, pessoas-jornal, pessoas-arrogantes-novas-ricas, pessoas-deprimidas sem porquê, pessoas-petulantes, pessoas que vão sempre ao mesmo restaurante, pessoas que habitam num conforto-cego, pessoas que não sabem dar abraços de olhos fechados, pessoas que perguntam às pessoas erradas.
Quase detesto esta crónica porque é tão crua e escura... mas adoro tê-la escrito num ápice e não ser interminável!
Noites de pestanas dormentes em que ninguém dá conta |
Descoberta
Adoro pessoas-sem-umbigo. Adoro um café que pinga de uma máquina de um café qualquer. Adoro olhos preguiçosos que fazem as pestanas beijarem-se interminavelmente. Adoro o cheiro a terra acabada de tomar um banho de chuva. Adoro botas de salto agulha que fazem vertiginosamente crescer uns dez centímetros. Adoro o barulho diluído da saída da escola. Adoro um pedaço de braço que foi feito para mim. Adoro os caminhos voluptuosos que serpenteiam o Douro. Adoro sorrisos da alma. Adoro um crepe embrulhado em rodelas de banana e chocolate quente a borbulhar. Adoro ar fresco no rosto que invade a janela do carro. Adoro o escarlate-quente do natal. Adoro passeios de olhos vendados, taquicardizantes. Adoro bocados de tempo em que não se fica mudo. Adoro pessoas que tem malagueta-doce na ponta da língua. Adoro ouvir "minha Mãe". Adoro o nome Rita. Afinal, descobri que adoro planos, programas, itinerários... dos que fazem a alma saltar de dentro, dos que esquecem o Mundo, dos que pretensiosamente só querer ser felizes...
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