Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Os médicos que têm filhos

Há os médicos que têm filhos perfeitos, intocáveis, que raramente adoecem, que têm nomes não correspondentes ao género (... só porque fica bem), que aprendem a ler antes de aprenderem a brincar...
Há outros médicos que têm filhos que nascem perfeitos com imperfeições e que aprendem a estar sem bata vestida, que erguem no colo meninos sem berços de seda, que dão colheradas de amor a meninos de pés descalços, que afagam os cabelos negros entrelaçados em nós despenteados... Sou eu e alguns mais!

Ao R., o menino perfeito dos giros mínimos e imperfeitos, gargalhada da mãe e caracóis aveludados do pai, que me despiu a bata intocável...
Aos médicos com filhos imperfeitamente perfeitos que têm que despir a alma e rir de fazer doer a barriga do vazio infeliz dos médicos com filhos genuinamente perfeitos, das interrogações idiotas e bolhas inquebráveis de preconceito.

R & Mamã by My Frame

Pingos de meninos

Meninos-nuvem-de-tempestade que os há, há. Meninos-nevoeiro conheço alguns. Meninos-ventania, meninos-raio-de-sol, meninos-trovoada e meninos-tropicais, salpicados de um pouco de tudo.
Meninos-nuvem-de-tempestade, são meninos que não aprenderam a rir ou esqueceram-se de quando o fazer. São meninos-cinzentos, agitados, em reboliço, que não gostam de chocolate quente e não sujam as mãos na terra. Não sabem dar abraços e beijam com as bochecas num beijo veloz envergonhado. Há meninos-nuvem-de-tempestade que nasceram assim e outros que ficaram cinzentos porque não conheceram outras cores.
Há meninos-nevoeiro, muitos meninos perdidos pela Terra que espreitam a alegria dos outros meninos, que afogam os medos, as dúvidas e as lágrimas no opaco manto frio. Conheço muitos meninos-nevoeiro e sopro-lhes palavras que espero que os aqueçam.
Os meninos-ventania, são meninos estouvados, que correm de mochila às costas, uns atrás dos outros numa romaria de fim de escola, não pensam e fazem, jogam às fisgas, tem as pernas pintadas de nódoas negras e não sabem a tabuada.
Meninos raio-de-sol, tomam banho todos os dias, sabem comer com faca e garfo, brincam na rua com os amigos, gargalham, dão beijos molhados com lábios-achocolatados.
Meninos-trovoada são meninos quase nuvem-de-tempestade, mas que não têm lágrimas.
Meninos-tropicais são meninos recheados de tudo, meninos que riem, choram, brincam, saltam, beijam quando querem, abraçam.
Porque há tantos meninos? Porque cada menino tem uma história que vai pincelando a alma. E, cada história é um pedaço de puzzle que nasce, que vem e que vai, que encaixa melhor ou pior, que se gosta ou não. Cada pessoa, cada sítio, cada festa de aniversário, cada grito, cada olhar, cada beijo pincelam essa história. 
Perguntam-me: Devem os Pais mostrar todos os sentimentos aos filhos?
De cabelo esparguete nero quase todo retorcido de tanto pensar na resposta, baralhada pela teoria dos livros, respondo o quase previsível: todos os sentimentos, N-Ã-O.
A ira, a discussão-malagueta, a raiva-canina, as palavras feias, a inveja, o orgulho-imperial, a preguiça-desmedida- cito quase os sete pecados capitais- deverão ser refreados, abafados, apagados, abolidos. Os  outros sentimentos... talvez. Um lágrima não contida, uma tristeza consentida, uma angústia dos bolsos vazios, uma perda visceral, são permitidos de um modo collant de Inverno, que não deixará passar tudo. Afinal, não temos Pais coração de pedra. E, faz parte da aprendizagem: chorar e limpar as lágrimas dos outros, abraçar um mau momento, saber que há passos errados e ruas tortas e que há mealheiros vazios. Pais tristes e infelizes não é sinónimo de meninos tristes e infelizes, é antes sinónimo de meninos que aprendem o verso das histórias e que sabem e aprendem a virar as peças para o lado certo. Há sentimentos e sentimentos, há pais e pais, há peças do puzzle que têm dois lados. O importante é errar e ensinar a corrigir, é chorar e saber sorrir de seguida, é dar o passo errado e procurar uma saída. 
E, é por isso que há tantos meninos, porque há muitos pais que ainda são aprendizes de viver e ser feliz,  porque há avós, porque há festas de aniversário, porque há um mundo recheado de peças de puzzle que  se vão guardando.
O que queria era apenas e só que existissem meninos-tropicais, salpicados de um pouco de chuva, sol, trovoada, vento e puramente f-e-l-i-z-e-s.

Meninos




quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Orquestrada

Tardes de sábado em que iluminados pelo sol que deixa pingar um sopro quente na janela, compomos um trio quase carnavalesco... 
R: Camisa abafada de xadrez, chapéu-safari a empurrar os caracóis cada vez mais fartos, anel da vovó no polegar num tom hippie-desmazelado, pensos rápidos coloridos colados na viola de sempre, desenhada na mão uma tatuagem equina com caneta de tinta lavável (bendita!).
Mamã: pandeireta improvisada com um aro metálico qualquer.
Vovó lábios de morango: viola erguida a driblar as cordas desafinadas com uma caneta.
Um, dois, três... O R. canta os pedaços que lhe soam mais fáceis, o Ei e o Ou, bate o pé tal e qual, sabe de cor e salteado a sequência das músicas e faz a viola dançar na mesma dança que o menino do bate o pé...
Orquestra amestrada num hino único de risadas...


Convido-vos a ouvir a favorita do R.: Amor Teimoso (Stubborn love)...
Dancem e batam os pés...
Risos

R. em modo Lumineers