À T,
Saí de 24 horas fictícias, que são quase sempre 26 horas reais. Ajustei anti-epilépticos, parâmetros ventilatórios, soros e, tentei ajustar destroços de pais.
Essa é a parte mais difícil do que faço.
22 horas, aos pés de uma cama imensa da Unidade. Falávamos do vácuo que nos acomete quando o nosso filho está doente, verdadeiramente doente. Uma indescritível sensação de que estamos num pesadelo, que aquilo não nos está a acontecer, do porquê de ser para nós, do choro que grita no peito e que já secou as lágrimas dos olhos, dos ecos das vozes dos médicos, das decisões que esperamos ser as mais acertadas, da confusão esquizofrênica, do tempo parado no tempo. Falávamos do leite que já não temos porque o medo levou, do almoço que já não sabemos o que foi porque não chegou a ser mastigado, só engolido, da dependência dos monitores, do colo que não pudemos dar, da ida a casa que nunca existiu, do cheiro a banho acabado de tomar e da primeira roupa tricotada que nunca usou. Falávamos disso com a mesma leveza que se discute a roupa suja no final do dia de colégio. (Curioso, não é?)
Foi esta conversa que trouxe comigo hoje e foi esta conversa que a fez desenhar um sorriso no rosto.
Foi esta conversa que me fez voltar a escrever e perceber que parte do caminho é esse.
T, aguardo pela mesma...
Sofia