Somos feitos de neblina daquela que invade o Rio pela madrugada, vinda da Foz, silenciosa e que num piscar de olhos fecha o retrato para o Porto antigo. Somos feitos de átomos e células que se empilham que nem um Lego e fazem um corpo e, é isso que sabemos tratar. Mas, acredito que somos mais do que isso. Não são as células com núcleo e mitocôndrias que nos fazem adorar estradas de asfalto com árvores caídas sobre nós, daquelas que nos levam para longe, nem que seja por instantes. Não são os átomos que nos fazem arrepios ao som de música ou que nos dão a leveza do perfume de jasmim do vaso da varanda. Somos muito para além do que se vê, do que se lê nos livros. Somos inesperados, crus, transparentes. Somos feitos de retalhos de instantes. E, todos sem excepção, somos assim.
É imperativo esquecer (por instantes) o que vai para além da frequência cardíaca e da saturação, para que a cadência de cada acto não se perca, para que a reanimação seja um sucesso, para que o tratamento seja perfeito. O corpo é uma máquina naquele instante e há que pô-la a funcionar. Viramos engenheiros do corpo.
Mas, no instante em que tudo se acerta, o nome surge, os instantes, os momentos, o que vai para além das peças de Lego... Pode parecer insensato ou até violento, mas é assim!
Perdem-se alguns pelo caminho, dos que pouco tinham viajado na vida e dos que já tinham uma história contada... Marcam-se no calendário dias de neblina, inesquecíveis, temerosos e sabemos descreve-los um a um... As últimas respirações, o ritmo das compressões, as adrenalinas, os ritmos, os gritos dos monitores, a hora. Perdem-se anos de vida neste caminho, enruga-se o rosto, mas o nome, a cama, os pais, o boneco favorito, ficam para sempre. São a neblina, daquela que invade o Rio pela madrugada, vinda da Foz, silenciosa e que num piscar de olhos fecha-nos o retrato desse dia, para sempre...
Pinky days |
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