Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


sábado, 23 de novembro de 2013

A crise & os meninos

Crise, tesouradas avulsas nos ordenados, horas que não cessam mais, pais, mães e filhos, direitos, deveres, constitucionalidade, pátria, cravos. É uma lista interminável de palavras...
A crise que eu reconheço nos meninos, filhos de pais de meninos, é uma crise sem palavras.
Mais meninos despejados pelo corredor do Serviço de Urgência onde as cadeiras plásticas frias já não chegam para tantos. Mais meninos menos gordos, menos rosados, menos agasalhados. Mais meninos que não fazem os xaropes de sempre e mais farmácias cheias. Mais olhos tristes de meninos e de mães e pais de meninos que não tem nada nos bolsos. Mais meninos com eritema das fraldas porque as fraldas ficam no supermercado e aguentam mais tempo pesadas. Mais meninos que fazem asneiras de meninos grandes, engolem comprimidos e choram por dentro. Mais meninos que não vão às consultas porque os pais não podem não ir trabalhar. Mais meninos com estômago oco ou recheado da promoção plástica do macdonnalds. Mais meninos que não sabem saltar à corda, jogar pião ou elástico. Mais meninos que vivem sozinhos. Mais meninos que não sabem dar beijos, porque não sobra tempo para eles.
A crise do País é a crise de uma geração de meninos que são mais de muito menos...



Meninos da Crise, um sorriso do lado de cá, ajuda alguma coisa?

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Já comprei...

Mais uma vez vou preferir descalçar os saltos-agulha de dondoca e caminhar descalça numa guerra que é minha e de alguns do mundo dos Rs... Comprei, compro e comprarei! 
Não admito gente estúpida e incompetente em posições de uma chefia inerte e de esquecimento. 
Do R...
Primeiro: pedido de adiamento da escolaridade do R que veio como Indeferido. Porquê? Porque a escola não enviou a documentação necessária e entregue pela Vovó cor-de-cevada. Aqui vai...
Segundo: solicitada reunião no agrupamento entre as terapeutas do R e as professoras que tão bem o guiam. Reunião concedida. Programado dia. Falha de aviso do dia pela coordenação do ensino especial às professoras do terreno. Grave? Não, muuuuuito grave... Sectarista! Incompetente! Incómodo! De fazer nó na garganta!
De um R. que conheço como Pediatra...
Efectuei o pedido de administração da vacina da gripe no Centro de Saúde via papel, explicando o porquê de este R. ter direito à sua administração gratuita, não fosse ele um menino-R... Duas horas depois, a Mãe enviou mensagem a dizer que a Profissional de Saúde teria dito que não tinha direito à sua administração. Surgem assim vários problemas:
- A profissional de saúde em causa não sabe ler ou não se deu ao trabalho de perguntar o que são as directrizes da Direcção Geral de Saúde. (Ou, hipótese esta mais provável, fez a administração gratuita da vacina aos filhos das amigas que não são meninos-Rs e para os meninos Rs não sobrou vacina...)
- Uma reclamação feita em nome da Mãe do menino-R.
- Uma reclamação enviada pela Pediatra Assistente (E-U) para o Centro de Saúde e para a ARS Norte.


País que temos, país que somos... Se vou mudar esta mentalidade, este jeito de ser..acho que não! Mas não consigo deixar de ser perturbadoramente desbocada.

Trilhos dos Rs, um pouco mais sinuosos






M-Ã-E coragem

Conversa de um corredor agitado de hospital, perseguidas pelo som de uma cadeira de rodas velha, empurrada por um M-Ã-E com gotinhas de súor na testa enrugada, que se abraça num ápice aos nossos pijamas-traje. Sussurra "Estamos bem...". Olhamos com sorriso nos lábios e com os olhos invadidos de água doce. E, a voz trémula enche-se e verte um "E isto não é nada, vai melhorar muito mais..."... Silêncio incómodo. Ânsia de que essa esperança empurre as palavras que deixou sair. M-Ã-E com M maiúsculo que nos encosta à pequenez da ciência que está nos livros. M-Ã-E que deixa um obrigado e vai... 
Engolimos, eu e a minha sempre Milagros, um café embrulhado no coração apertado que nos deixou... e não falamos mais disso! Caminho fácil...e necessário!

Eu, Milagros e Marta


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

AMO-TE

Já falei num post antigo sobre amores...mil e um tipo de amores! E, eu sou mesmo disso...quem me conhece sabe. Verto da alma um amor estrondosamente enorme que faz apertar o estômago e que põe a cabeça às voltas. E, amo genuinamente com tudo o que está escrito nos livros de romance e com aquilo que não está. Soletro rápido A-M-O--T-E sem pudor. Amo rir à gargalhada. Amo abraços irrespiráveis de rostos colados. Amo tulipas brancas que me acordam no Serviço de Urgência. Amo morangos-veludo que namoram tâmaras-reais num saco de papel. Amo olhos-vendados em caminhos. Amo a sensação quase agonizante de que aquilo que digo não chega. Amo mimimos que saltam de umas mãos rechonchudas. Amo o perfume a terra molhada. Amo uma bela de uma francesinha corada que faz pingar o nariz de tão malagueta. Amo um duche de água fumegante que enevoa o espelho e nebuliza a alma. Amo as conversas do cabeleireiro entre as senhoras loiras de penteado-cabeção, sobre a que acabou agora mesmo de sair. Amo os porquês sem r (cito, poquê) do R sobre tudo e sobre nada. Amo arroz com alecrim. Amo pessoas que arriscam, aventureiras, sem medo. Amo que me façam sentir amada e perfeita, na minha total imperfeição.

AMO-TE

Anorética

Regada com pimenta-rosa, olheiras que sombreiam o rosto escavado, pele-papel-desbotado, estômago recheado de vinagre nos últimos três dias, medo de qualquer alimento insípido no tabuleiro de gourmet hospitalar... Menina-perfeita na sua anorética arrogância defensiva, apoiada no sacro oco a dedilhar o telefone, inerte, bradicárdica, fria e cinzenta. Estórias de uma magreza conquistada a goles de vinagre e ar. Estórias que não conta a ninguém. Estórias que não nos deixam entrar. Estórias de mais uma cama do Serviço de Urgência. Estórias que pedem ajuda porque estão no limbo. Estórias que se vivem na primeira pessoa, solitárias...

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