Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe
Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe
By P.C. ... Irresistivel
Irresistivelmente bem escrito, delicioso como um robalo acabado de pescar e verdadeiramente maravilhoso. Palavras com perfume a maresia, puras, cruas e que espelham tal e qual o que eu sinto. Amei e deixo-vos morder o isco. Cá vai...
By Pedro Cruz
"Acho
que nunca na vida conseguiria exercer outra profissão que não a de
Médico. Mais, acho que não seria capaz de ter outra especialidade que
não a Anestesiologia. Não seria feliz noutra qualquer actividade
profissional... ou talvez o fosse como o meu homónimo (Simão) Pedro – o
apóstolo Pescador... prefiro continuar a pescar ludicamente do que
comprová-lo. Prefiro continuar a ser Anestesista e a fazer os possíveis
por ser um bom profissional, porque acima de tudo amo o que faço – tenho
esse previlégio. Se por um qualquer motivo fosse obrigado a exercer
outra actividade fá-lo-ia e estou convicto que nunca deixaria de ter
brio na mesma. Aliás, todos aqueles que, gostando ou não do que fazem,
exercem as suas funções com brio, têm o meu total respeito e admiração.
Não acredito em vocações e penso que todos nós somos complexos o
suficiente para nos adaptarmos a diferentes situações. Tenho a convicção
profunda que em situações limite, o nosso instinto (animal) de
sobrevivência se sobrepõe à razão. Numa hipérbole, não me custa admitir
que seria capaz de roubar e matar se não tivesse pão para a boca das
minhas filhas por exemplo.
Não sou mais nem menos que o comum mortal
e é assim que gosto que me vejam – um entre muitos, mas único! Gosto de
ser respeitado como sou, pela minha genuinidade, com todos os meus
(muitos) defeitos e com as minhas virtudes. Tento ser respeitador
também, mas a minha ambição limita-se a pretender ser um bom exemplo
para as minhas filhas, para mais ninguém! Espero incutir-lhes os mesmos
princípios que a minha Família me transmitiu. Não sou nenhum santinho,
nem dono da verdade, farto-me de errar infelizmente! Só desejo que a
minha auto-crítica nunca me deixe só e que humildemente continue a ter a
“desculpa” na ponta da língua.
Nos últimos tempos tenho sido
confrontado com duras realidades. Pelo menos para mim tem sido difícil
de viver e conviver com os atropelos que me rodeiam quase diariamente.
Estudei na Faculdade com média de acesso mais alta dos últimos anos
(embora tenha orgulhosamente entrado na mesma com Estatuto de Atleta de
Alta Competição de Voleibol e com média “apenas” de 16 valores) mas sou
obrigado a admitir que dos maiores ensinamentos que guardo para a vida
me foram dados por uma senhora que hoje tem 91 anos, a minha Avó Laura,
que tem a quarta classe! Nestes dias conturbados de que falo, esses
ensinamentos têm sido o meu escudo. Mas não só... Outra pessoa que muito
marcou e marca indelevelmente a minha maneira de ser, além dos meus
queridos Pais, é o Dr. Paulo Ramos, meu ex-orientador de formação
durante a especialização em Anestesiologia. Aprendi muito com ele, mas o
que não vinha nos livros foi o que mais me marcou, especialmente uma
frase: “O importante é um gajo chegar ao fim do dia, ir fazer a barba e
olhar no espelho e ter orgulho no que vê”! Continuo a tê-lo! Por isso
mesmo, apesar de me sentir cada vez mais tolerante para bocas, bitaites,
piropos, conversas de corredor, etc... sinto uma obrigação crescente em
lutar contra os atropelos que referi anteriormente.
O que mais me
incomoda nestes atropelos é o sentimento de impunidade de quem destrata
os outros! Na área em que trabalho, há muito que sou defensor de testes
psicotécnicos para selecção de futuros alunos de Medicina. Na minha
óptica são tão ou mais importantes do que as notas! Fico indignado, como
é possível que pessoas que vão trabalhar com e para outras pessoas
sejam avaliadas apenas pelas suas notas académicas? Sou da opinião que,
por exemplo, um bom dactilógrafo será um excelente profissional a partir
do momento em que escreva rapidamente e sem erros ortográficos; no caso
isso será mais do que suficiente! Já para um profissional que trabalha
integrado em equipas formadas por pessoas com diferentes competências e
que trabalha para pessoas doentes, as relações inter-pessoais são,
quanto a mim, a pedra basilar! A preparação teórica sem dúvida que é
muitíssimo importante, mas não mais que a capacidade de nos
relacionarmos com os outros – profissionais e doentes.
Egoísticamente, em última instância, também eu estarei um dia (que
espero tarde) na posição de doente e quero ser bem tratado! Aliás, é a
única certeza que todos temos – um dia seremos nós o doente! Por isso
mesmo temos de ter uma atitude mais altruísta sempre que directa ou
indirectamente presenciamos atropelos. Ao sermos indiferentes estamos a
ser coniventes e a fomentar que eles se perpetuem...
Para terminar,
porque não gosto de tomar o todo pela parte e porque sempre que se
generaliza se está a ser injusto para alguém, quero deixar um abraço
sincero para o meu Amigo Sérgio Silva, um exemplo como Amigo e como
Profissional de Saúde! Hoje, ao dirigir-me ao hospital de S. João,
presenciei um seu gesto de carinho para com uma senhora que se
encontrava no Serviço de Urgência que me fez chorar como uma criança. No
caso, o marido, um doente terminal, estaria a aguardar pela sua vez. A
senhora, que conhecia o meu Amigo de outros recursos ao Serviço de
Urgência, interrompeu a nossa conversa para poder falar com aquele
Médico afável que já conhecia. Engoli as palavras e só consegui por
segundos constatar o carinho com que o Sérgio tratou a senhora mesmo sem
estar de Urgência... provavelmente, tal como quem estava de serviço,
pouco mais poderia fazer pelo doente, mas os minutos que dedicou áquela
senhora que também sofria pela doença do marido e o abraço que lhe deu
foram o conforto que procurava! Estes gestos não vêm nos livros! Virei
costas para chorar em paz... mas chorei de alegria! Obrigado Sérgio!
Pedro Cruz, o futuro doente (a única certeza que tenho na vida)."
LINDO.
ResponderExcluirSem duvida que nem sempre que tem as melhores notas de acesso a determinado curso será o melhor profissional.
E sem duvida gestos como o que o Dr. Sérgio teve não vem nos livros nem nos cursos nem nas especialidades nem em qualquer canudo mas sim na educação que vem do berço.
Precisamos de mais Drs. Sérgio, precisamos de respeito pelo outro.
Precisamos de mais Drs. Pedro que tiveram a coragem de expressar sem medos sem preconceitos a sua opinião e partilha-la, obrigando-nos a pensar um pouco.
Devia ser obrigatório este texto em todos os manuais escolares, principalmente para quem envereda pela área da saúde seja ele medico enfermeiro técnico auxiliar ou mesmo administrativo.