Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Gira ao contrário

O mundo gira cada vez mais ao contrário. Está tudo errado. Conto dois dias em que aprendi que a ajuda nem sempre é uma benção. 


Um pontapé no meu tempo é como descrevo a primeira vez que percebi que acima de tudo impera o negócio. Chove lá fora. O Porto veste-se de um cinzento-cimento, frio que se dilui pela calçada antiga a fazer a viagem de carro parecer uma volta de montanha-russa. Entro no Centro onde as pessoas andam aos pares a resolver coisas de meninos raros. E, onde os meninos raros gastam o tempo pelos corredores, deambulando sob rodas. É também um sítio de meninos raros onde a vida flui todos os dias igual a sempre. Propus-me a oferecer parte do meu tempo a fazer Consulta de Pediatria gratuitamente e, a resposta, por entre os agradecimentos tecidos, foi favorável, nada entusiasta, mas teria que ser necessariamente remunerada. Recusei. Fá-lo-ia gratuita e voluntariamente, nunca aceitaria dinheiro.

Recusaram-me.
E assim ficamos. Eu com o meu tempo quase acrobático mas que guardei no bolso, o sítio sem pediatra. Engraçado, quase caricato, como se recusa a ajuda voluntária, só porque sim.


A outra vez descrevo-a como um balde de tinta não nos chega. Há cerca de 2 anos, estabeleci milagrosamente a ponte entre um centro de reabilitação algures do Porto e uma grande empresa, para o apoio à reabilitação do mesmo, gratuitamente. Criada a ponte, enchi-me de telefonemas, hiperactiva como sempre. Pois bem, uma pintura, mudança de piso, decoração foram recusadas, porque afinal o que queriam mesmo era uma sala sensorial. Uma bela ideia, ajustada às patologias, mas que a empresa não poderia concretizar. Recusaram então qualquer outra ajuda porque o que queriam mesmo era uma sala sensorial. 




Há um mundo virado do avesso. Pessoas que recusam dádivas. Pessoas que usam os donativos para o fausto, para representação da raridade alheia ou que simplesmente não os aceitam porque queriam uma coisa diferente. Perde-se, e sei que erradamente, a vontade de ajudar, a acrobacia do tempo, a mobilização dos outros.

Mas não se pode perder, porque os raros não se perdem pelo caminho.


Os raros podem ser super heróis, desde que não se percam pelo caminho.




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