Um hospital é um livro de histórias fechadas entre paredes. E, a história transforma-se quando estamos de visita, quando estamos doentes, quando somos estudantes ou quando somos uma das peças principais.
Setembro de 1997. Entrei pela primeira vez no hospital como estudante. O cheiro intenso a éter que sempre sentia quando ia ao hospital desaparecera por entre o rebuliço das batas. Cheirava a folhado misto do bar da faculdade no piso 01 misturado com café torrado da máquina irrequieta. Apinhavam-se pessoas de bata branca que circulavam numa azáfama brusca, cumprimentavam-se velozmente e algumas paravam para falar em tom de sussurro e com olhares de soslaio. Era um hospital diferente, um piso de pessoas que tratavam os clientes pelos nomes próprios e sorriam, a Teresa da fotocopiadora, a Marta das Sebentas, o Faustino dos retratos e a tão querida Lina da Associação de Estudantes. Erguia-se imponente ao fundo à direita o Salão de Alunos, um verdadeiro salão de jogos, sofás desbotados de couro castanho e mesas apinhadas de capas pretas e pastas fitadas de amarelo. Era um hospital diferente, igualmente agitado, mas diferente. As pessoas riam, adormeciam as ressacas do dia anterior (ou antes, da semana inteira), faltavam às aulas para jogar cartas, a tuna ensaiava majestosa e feliz alheia do peso atroz dos pisos de cima...
1997-2003. Passam-se os anos, vão e vêm novas caras, deixo de sentir o cheiro a éter, mas mantêm-se os hábitos. As pessoas de bata branca estão mais velhas mas continuam sussurrantes pelos corredores, a máquina de café (não sei se a mesma, embora pareça pelo aspeto velho) continua a vomitar cafés a toda a hora, o salão continua a ser o refúgio da dor dos pisos de cima.
2004-2005. Internato Geral. Já não cheira nada de nada a «hospital». O hospital cheira a «casa». Já sussurro pelos corredores e tomo café pela manhã. Resta-me olhar o salão pelas janelas amplas do piso 2 e assistir de plateia à dança dos alunos-cara-de-bebés.
2006-2011. Internato de Especialidade. Crescida, dedicada à ciência dos pequeninos. Toma-se café na máquina em passo acelerado para as consultas. Não há tempo a perder e já não se olha para o salão. Passou a esquecido.
2011-2013. Pediatra. Pediatra de pijama branco que sai a correr para um hospital qualquer. Que assiste à dor e vive no fio da navalha a ciência que estudou. E, relembra-se do salão... O salão recheado de caras desconhecidas, de miúdos e miúdas de tenra idade que dizem balelas tão próprias da idade e fazem rir. Fica-se por lá a tomar café, a olhar à volta e a abafar o peso dos doentes dos pisos de cima.
Um hospital é isto...
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